muitas vezes passei as tardes
zelando pelas cortinas
analisando as sombras
através dos panos
enquanto
decidia quais dos vidros
poderiam se tornar espelhos
Eros agonizava entre os suspensórios
e um pedaço do oráculo de Delfos discorria
sobre a posição correta das abóboras na fruteira
nos reflexos das pedras,
o calor dos tênis pendurados nos
fios de alta tensão pela janela do hotel
e naqueles dois mil quilômetros
entre adentrar meus templos
e bater as asas,
o discreto trejeito das pintas
ao esboçar um sorriso
**********
os espelhos
ao apagar as luzes
quantos reflexos estão a uma fagulha
da extinção?
é tão difícil parar de reparar
nas sombras dos quartos
formadas pela luz
dos corredores
parar de esperar uma
ventania que leve
o barulho daquela sirene que nunca
parou de tocar
qual poder é maior do que a representação?
partes de nós
precisam morrer para que
o resto viva
(mas talvez não
continuemos
vivendo muito
bem)
nas estimativas
diagramas de olhares
algoritmos de perfumes
hipóteses nas bocas
uma amálgama de prata e de poemas
dois labirintos
que levam à glória
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Vítor Guima é escritor, compositor e cineasta. Chamado de grande aposta da nova MPB pelo site Keeping Track e de promessa da MPB pelo Observatório de Música da UOL em 2019, seu álbum de estreia, O Estrangeiro, foi eleito um dos melhores discos nacionais do ano pelo Estadão. No cinema, Guima foi roteirista e diretor dos filmes Mônica e Rua Vergueiro. Na literatura, já teve poemas publicados em revistas como Mallarmargens, Acrobata e Ruído Manifesto. Seu primeiro livro de poemas A Morte da Graça no Baile dos Erros será publicado pela Editora Urutau em 2020.
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