asfixia das salas de estar
nossa onipresença ainda sã
passeia pelas peças tomadas
por tantos alvéolos flutuantes
num ar paralisado e viscoso
as vias que levam à varanda
também estão atravancadas
as mãos em torno da garganta
só não estrangulam a vontade
de apenas voltar a respirar
o pulmão fibroso aguarda
sobre a travessa de faiança
que o desfaçam em filetes
para alimentar os pássaros
pousados no nevoento quintal
muitas criaturas ainda vivem
embora a morte vã já tenha
contaminado nossas camas
conectadas que estamos aos
poucos respiradores de sonhos
o último sopro será dado
entre as parcas paredes
da casa prestes a sucumbir
enquanto os cães ocupam
o asfalto que cede sem nós
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Vernizo ovo não escorregou da mão
nem foi o leite que se derramou
o pão não se perdeu para o bolor
nem a carne se encheu de vermes
se a comida permanece intacta
por que há a sensação de falta
uma escassez que não é de víveres
ameaça o verniz de normalidade
ninguém mais pode ser abraçado
nada agora ultrapassa a película
as pessoas são nomes deslizando
rápido pela tela do computador
um dia começa assim como termina
a roupa lavada e pendurada no varal
amanhã será recolhida ou talvez não
quando muito um sonho ou poema
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Pestilência
se o elefante permanece aqui com toda sua força e peso
a mobília dessa casa se torna um estorvo
não há fresta que se abra para o dia
o que restava do ar está sendo sugado por sua tromba
as muitas formigas foram mortas por um tsunami de baygon
seus pequenos cadáveres pretos à vista
o esforço imenso que é recolhê-los
para não ter diante dos olhos nada que lembre a morte coletiva
livres de todo o malefício encontram-se apenas as árvores
plantadas sobre as costas das serpentes
esgueirando-se sinuosas e febris
pela dimensão do terreno cercado por muros altos e grades
a pestilência percorre as avenidas da cidade esvaziada
agarrados ao lombo das partículas de pó
os males encavalgam a atmosfera
esperando por aquela que arremete contra o seu destino
se o elefante permanece aqui com toda sua força e peso
a mobília dessa casa se torna um estorvo
não há fresta que se abra para o dia
o que restava do ar está sendo sugado por sua tromba
as muitas formigas foram mortas por um tsunami de baygon
seus pequenos cadáveres pretos à vista
o esforço imenso que é recolhê-los
para não ter diante dos olhos nada que lembre a morte coletiva
livres de todo o malefício encontram-se apenas as árvores
plantadas sobre as costas das serpentes
esgueirando-se sinuosas e febris
pela dimensão do terreno cercado por muros altos e grades
a pestilência percorre as avenidas da cidade esvaziada
agarrados ao lombo das partículas de pó
os males encavalgam a atmosfera
esperando por aquela que arremete contra o seu destino
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Insignificantedurante essa quarentena
admiro as coisas mínimas
o insignificante saturado
do magma da experiência
numa das vigas de madeira
um gafanhoto na teia de aranha
tão verde quanto um broto
preso pelos fios das entranhas
de sua anfitriã e assassina
quando o vi já estava morto
não pude desemaranhá-lo
mas se pudesse qual seria
o outro alimento da aranha
enquanto eu comia e dormia
o destino desse gafanhoto
era selado na minha casa
no correr estático dos dias
enquanto eu me distraía
pensando em nossa penúria
_
entretêm-se os deuses
e a teia volta a capturar
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Divanize Carbonieri é autora dos livros de poesia Entraves (2017), agraciado com o Prêmio Mato Grosso de Literatura, Grande depósito de bugigangas (2018), selecionado pelo Edital de Fomento à Cultura de Cuiabá/2017, A ossatura do rinoceronte (2020) e Furagem (2020), além da coletânea de contos Passagem estreita (2019), selecionada pelo Edital Fundo 2019/Cuiabá 300 anos. No Prêmio Off Flip, foi segunda colocada na categoria conto na edição de 2019 e finalista na categoria poesia nas edições de 2018 e 2019. É uma das editoras da revista literária digital Ruído Manifesto e integra o Coletivo Literário Maria Taquara, ligado ao Mulherio das Letras/MT. Seu site pode ser acessado aqui
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