Por fim, quando deixarás
de alimentar os teus naufrágios?
Me perguntaste sem saber
que tripulação alguma deseja a própria
morte. Nada
podem fazer se a carcaça,
já tão cheia de buracos,
continua
sempre
a afundar.
A marcha
fúnebre faz
glub.
glub.
g
l
u
b.
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Amor de prateleira
Os dias vêm sobrando,
transbordadas as horas pelo vidro.
Tempo deixado em conserva
é salgado demais para gente [hiper]tensa.
E amassados pelas quatro paredes,
a pressão só aumenta. O medo
não é que pare o coração.
É que ele escorra
para fora do copo de conserva,
licoroso sobre a estante. O resto
engarrafado em plástico sem rótulo.
Fosse ele a sobra desvalida.
Esquecido,
até passada a data de vencimento.
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Não posso me exilar de mim
Melhor seria dar adeus à nossa pátria,
é a história que vens narrando em voz de naufrágio.
Como se partir
fosse a métrica que te faltava ao poema.
E eu te respondi a pior das prisões
pode ser o próprio corpo, como a desmentir o poeta.
Que teu olho cerrado é fronteira fechada.
Que com sangue se paga taxa alfandegária.
Já não existe salvação para excomungados como nós,
mas tento resistir. Mesmo que continuemos
a conviver com nossos espíritos dentados,
palitando nas gengivas os fiapos de esperança.
Engolindo restos dessa carne velha.
É do passado que ainda me alimento. Entenda,
eu não posso me exilar de mim.
Por isso, não desterro.
Sem essa terra a lavrar fantasias,
meu espírito,
ele deglute-se de fome.
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Marina Magalhães nasceu em 1995, em Recife (PE). Hoje, mora na capital do Rio de Janeiro, onde estuda Direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e tenta conciliar com o curso de Artes Cênicas e uma rotina de escrita. Mantém uma página no Medium com seus textos e tem poemas publicados pela Revista Mallamargens. Seu primeiro livro deve sair em 2021, se o mundo não acabar antes.
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